Liberdade de locomoção e medidas constritivas na execução:

Liberdade de locomoção e medidas constritivas na execução:

Conforme recente acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT 6), com jurisdição no Estado do Pernambuco, nos autos do Habeas Corpus de número 0000446-83.2018.5.06.0000, sócio de empresa que se encontra no polo passivo de ação trabalhista em fase de execução e que teve seu passaporte bloqueado no intuito de coagi-lo a pagar a dívida teve tal documento liberado, haja vista configuração de ofensa à liberdade de locomoção.

Segue a emenda do referido julgado:

HABEAS CORPUS. DETERMINAÇÃO DE SUSPENSÃO DO PASSAPORTE DO EXECUTADO. OFENSA À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. CONFIGURAÇÃO. O ato impugnado por meio do presente habeas corpus, ao determinar o bloqueio do passaporte do sócio executado como medida coercitiva à satisfação do crédito trabalhista, revelou-se desproporcional, faltando-lhe adequação e razoabilidade, além de representar afronta ao disposto nos arts. 5º, inciso XV, da CF/1988, 22 da Convenção Americana de Direitos Humanos e 8º, do NCPC, segundo o qual “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”. Precedente deste regional. Ordem parcialmente concedida.

Pois bem. É fato que decisões como a proferida em 1ª instância neste caso e que determinou o bloqueio do passaporte vêm se tornando cada vez mais comuns não somente no processo trabalhista, como no exemplo dado, mas também no âmbito cível, inclusive com decisões no sentido de bloquear, também, a CNH de sócios de empresas devedoras ou mesmo do próprio devedor pessoa física.

Ao que nos parece, pode ser citado como um dos fundamentos para esta atuação dos Magistrados, independentemente da instância e do âmbito, o quanto exposto no art. 139, IV, do Código de Processo Civil (CPC), que possui a seguinte redação:

Art. 139.  O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (…) IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

Contudo, nos termos do julgado acima, o que está em debate é o efetivo direito de ir e vir (liberdade), inerente a todo cidadão, ressalvadas exceções legais, e o direito ao percebimento do crédito pelo seu titular, que pode ser vinculado ao direito à propriedade.

Deste modo, embora ambos se tratem de direitos constitucionais e, sob tal ponto de vista, não exista entre eles hierarquia, destaca-se relevante consideração feita no voto vencedor que originou a jurisprudência ora analisada, conforme segue:

Com a devida vênia, penso que o fato de “viagens internacionais demandarem montantes consideráveis para despesas básicas, a exemplo das passagens aéreas” não justifica a restrição determinada pela autoridade impetrada, sobretudo diante do princípio processual de que a execução deve recair sobre o patrimônio, e não sobre a pessoa do devedor.

Portanto, muito embora se possa argumentar que as restrições em comento, quais sejam, em relação ao passaporte e à CNH, não retirem totalmente o direito de locomoção da pessoa lesada, fato é que, por dívida de natureza pecuniária, a liberdade do devedor ou, ainda pior, do sócio do devedor, ainda que parcialmente, está sendo mitigada. E, como se sabe, a prisão civil atualmente só cabe no caso de ausência de pagamento de pensão alimentícia.

Ademais, não existe qualquer garantia de que a restrição em relação a estes documentos fará com que o devedor quite o valor, uma vez que para o credor, em regra, o que efetivamente importa é a penhora de bens que possam quitar a dívida e encerrar de vez a lide.

Logo, embora não se possa precisar qual posicionamento prevalecerá, ou seja, se a adoção de tais medidas restritivas será considerada legal e válida ou não, é importante que, principalmente os devedores, fiquem atentos aos atos praticados durante a execução, para que não se vejam tolhidos de direitos inerentes a eles próprios e desvinculados de seu patrimônio.

Mateus Itavo Reis – OAB 305.470