Da imprescritibilidade da prova de notificação para multa de trânsito

Da imprescritibilidade da prova de notificação para multa de trânsito

É da essência do Direito Administrativo a publicidade de seus atos, com a plena transparência do comportamento dos entes da Administração Pública no intuito de que seja assegurado aos administrados a possibilidade de conferência dos assuntos que lhe interessam.

Neste cenário, a Constituição Federal de 1988 consagrou o Princípio da Publicidade sobre os assuntos públicos (direito à informação) tanto no artigo 5º (inciso XXXIII), como no artigo 37 (inciso II, § 3º), garantindo a todo cidadão o amplo acesso às informações, inclusive de interesse particular, ressalvadas àquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

Ocorre que, em matéria de trânsito, particularmente com respeito às autuações de trânsito, tem-se observado um grave descumprimento deste princípio na medida em que os órgãos e entidades fiscalizadores não fazem prova da efetiva da notificação pessoal do proprietário do veículo autuado, ou do condutor infrator quando identificado.

O artigo 282 do Código de Trânsito Brasileiro estabelece a obrigatoriedade de expedição de notificação pessoal ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal, que assegure a ciência da imposição da penalidade.

Na mesma linha, as Resoluções 390/2011, 404/2012 e 619/2016, todas do CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito -, também reforçam a necessidade da ciência da infração pelo proprietário do veículo ou ao infrator (quando identificado), através da efetiva notificação por remessa postal.

Na prática, o órgão ou a entidade autuadora expede a notificação ao proprietário e/ou condutor infrator e já o considera cientificado, independentemente de qualquer confirmação de recebimento.

Muitos cidadãos têm sido surpreendidos com a futura imposição para pagamento destas penalidades, bem como assunção dos respectivos pontos em seu prontuário junto ao DETRAN, mesmo não tendo recebido as notificações pelo órgão ou entidade autuadora. É nesse momento que eventuais questionamentos administrativos, e até mesmo judiciais, têm encontrado obstáculos na presunção de legitimidade dos atos administrativos, na qual, presumidamente, os atos administrativos são verdadeiros e legalmente corretos.

Ou seja, o cidadão que contesta o recebimento da notificação da infração tem seu questionamento totalmente desconsiderado sob a alegação de que, uma vez expedida a notificação, o seu recebimento é presumido.

Contudo, importante esclarecer que a presunção de legitimidade dos atos administrativos é relativa, ou seja, pode ser desconstituída a partir do momento em que o ato é impugnado pelo cidadão interessado. Nesse sentido, ensina o conceituado doutrinador em Direito Administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello (In Direito Administrativo. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 225 /228):

“Presunção de legitimidade é a qualidade, que reveste tais atos, de se presumirem verdadeiros e conformes ao Direito, até prova em contrário. Isto é: milita em favor deles uma presunção juris tantum de legitimidade; salvo expressa disposição legal, dita presunção só existe até serem questionados em juízo. Com efeito bem disse Ney José de Freitas, em oportuna monografia -, ‘a impugnação pulveriza e elimina a presunção de validade, e daí em diante a questão será resolvida no sítio da teoria geral do ônus da prova’.”

Necessário frisar que, na hipótese em comento, é impossível a realização da prova de não recebimento da notificação pelo cidadão a par de ser um fato negativo. A prova, portanto, pertence à Administração Pública, devendo esta demonstrar que o proprietário do veículo ou o condutor infrator foi efetivamente notificado caso o ato seja por este impugnado.

Diante deste cenário, e com base em decisões proferidas por diversas turmas recursais de diferentes estados membros da Federação, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, recentemente, que, em breve, irá proferir uma uniformização de entendimento a respeito da necessidade ou não de comprovação da efetiva entrega da notificação ao proprietário do veículo e/ou ao condutor infrator. O pedido de uniformização de interpretação de Lei nº 372 – SP (2017/173205-8) está concluso desde abril/2018 para julgamento com o Ministro Relator Gurgel de Faria.

Um dos pontos a serem observados na análise do pedido de uniformização diz respeito à colisão gerada entre o Princípio da Presunção de Legitimidade dos Atos Administrativos e os Princípios da Publicidade (artigos 5º, inciso XXXIII, e 37, inciso II, § 3º), da Legalidade (artigo 5º, inciso II), da Ampla Defesa e do Contraditório (artigo 5º, inciso LV), dentre outros preceitos violados pela interpretação de que o ato administrativo não comporta impugnação.

Espera-se, diante da própria jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que previu a necessidade do envio de notificações da autuação e da aplicação da pena para imposição de multa de trânsito no processo administrativo (Súmula 312), a uniformização do entendimento sobre a obrigatoriedade da Administração Pública, quando questionada, na comprovação da efetiva comunicação prévia da infração ao proprietário do veículo e/ou ao condutor infrator, sob pena de colocar em risco o descumprimento de preceitos fundamentais da Constituição Federal, em especial, e não exclusivamente, o direito da publicidade e o da ampla defesa e do contraditório.

 

BRUNO PANÍCIO GUIMARÃES

OAB/SP 307.534