A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E SEUS ASPECTOS LEGAIS NO ÂMBITO CIVIL

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E SEUS ASPECTOS LEGAIS NO ÂMBITO CIVIL

O Código Civil brasileiro prevê em seu artigo 50 a possibilidade jurídica do credor, após tentativas de execução frustradas em face da pessoa jurídica devedora, tentar a recuperação de seu crédito através dos bens particulares dos administradores ou sócios. Trata-se do fenômeno jurídico denominado de desconsideração da personalidade jurídica.

De forma resumida, após comprovar o comportamento fraudulento dos administradores ou sócios da pessoa jurídica, o credor poderá requerer, judicialmente, que as obrigações da sociedade sejam alongadas aos mesmos. Na prática, a pessoa física dos administradores ou sócios passam a responder, através de seus bens particulares, pelas obrigações, no caso, dívidas, da pessoa jurídica.

Assim estabelece o artigo 50 do Código Civil:

“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

Já o Código de Processo Civil, após sua reforma no ano de 2015, passou a estabelecer um capítulo próprio (arts. 133 e ss) para regulamentação dos procedimentos e dos requisitos necessários para a apresentação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica,  o qual deverá ser instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público; poderá ser apresentado em todas as fases do processo; e, deverá ser feito através de um requerimento fundamentado, acompanhado de provas concretas de que personalidade jurídica está sendo “abusada”, tal como se verifica nos casos de confusão patrimonial, quando há a utilização ardilosa das contas bancárias da sociedade para fins particulares dos administradores ou dos sócios.

Ocorre que, tornou-se uma prática habitual a apresentação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica de forma precipitada, com requerimentos totalmente genéricos e desacompanhados de provas.

Importante esclarecer que o simples fato da pessoa jurídica não ter bens suficientes para assumir suas obrigações não é motivo suficiente para justificar a utilização desta ferramenta jurídica, que constitui medida excepcional.

Nessa linha de raciocínio, foi aprovado o Enunciado 7 na I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciário (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF), que dispõe que “só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido”.

O Supremo Tribunal de Justiça tem firmado entendimento no mesmo sentido, isto é, de que a mera inexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não caracteriza, por si só, quaisquer dos requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil, sendo imprescindível a demonstração específica da prática de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. A título de amostragem, citam-se os recentes acórdãos proferidos nos autos do AREsp 563.649/RS e do AREsp 1275976/MG, publicados em 12/06/2018 e 13/06/2018, respectivamente.

Desta forma, é necessária muita prudência na utilização deste incidente processual, sob pena de banalização do instituto e desconsideração da autonomia e proteção da pessoa jurídica.

 

Bruno Guimarães – OAB/SP 307.534